D. Alfredo Souto Neves da Corte Real del Instituto D. João VI, nos remite amablemente este interesantísimo artículo histórico para su publicación en el blog de la Casa Troncal
A BATALHA DE MATAPÃO
– Comemoração dos 300 Anos da Batalha de Matapão –
19 – VII – 1717
A célebre e histórica Batalha de Matapão (ou Matapan) recebeu o seu nome devido ao cabo situado na extremidade do espigão central da Moreia, antigo Peloponeso na Grécia, no Golfo da Lacónia e onde ocorreu a referido evento bélico, onde as forças navais portuguesas se opuseram à armada do Império Otomano. Este cabo é o ponto mais meridional de todo o continente europeu.
Pela sua localização geoestratégica, este cabo foi palco de inúmeras actividades e passagens ao longo da história, tendo dado origem ao nome de duas batalhas, sendo um delas mais célebre do que outra: a primeira e histórica Batalha de Matapão opôs a esquadra Portuguesa, enviada por D. João V e comandada pelo Conde do Rio Grande, à armada Turca no dia 19 de Julho de 1717, a segunda, ocorreu durante a II Guerra Mundial, no dia 29 de Março de 1941, e confrontou a esquadra inglesa comandada pelo Almirante Cuningham a uma divisão italiana de contratorpedeiros e cruzadores os quais, curiosamente, não chegaram a disparar um único tiro.
No século XVIII, o Sultão Ahmed III tentava recuperar o que o Império Otomano perdera no Tratado de Karlowitz em 1697. Para isso procurava expandir-se para o Mediterrânio ocidental fazendo com que a armada turca assola-se insistentemente a costa veneziana em Itália. Isto levou a que o Papa Clemente XI pedisse auxílio ao Rei de Portugal, D. João V o Magnânimo. Portugal vivia uma época de esplendor e de grandeza derivada das receitas oriundas dos Descobrimentos Portugueses e das suas Províncias Ultramarinas. No ano de 1716, e em resposta ao Santo Padre, D. João V envia uma esquadra portuguesa em auxílio dos italianos contra os turcos que percorriam amiúde as águas mediterrânicas.
Assim, no dia 5 de Julho de 1716 zarpa de Lisboa uma pequena esquadra de nove navios composta por cinco naus (1), uma fragata (2), um brulote (3), uma tartana (4) e um navio de transporte sob o comando do Chefe de Divisão Lopo Furtado de Mendonça, Conde do Rio Grande para fazer frente a esta força turca que ameaçavam a serenidade e tranquilidade dos venezianos. Esta frota fez escala em Livorno, tendo seguido posteriormente para a ilha de Corfú, então defendida por um General austríaco e que se encontrava bloqueada pelos turcos. Quando os turcos receberam a notícia da aproximação da esquadra portuguesa, levantaram o cerco e retiraram. Esta missão não teve grande sucesso pois durante o tempo da mesma não foram avistadas as forças navais turcas, tendo a esquadra portuguesa regressado a Portugal sem ter entrado em confronto.
Por continuidade das ameaças sob as possessões venezianas, e por nova solicitação Papal em Dezembro de 1716, no ano de 1717 foi constituída uma nova esquadra de 11 navios a qual era composta por cinco naus (1) e duas fragatas (2), as quais se fizeram acompanhar por dois brulotes (3), por uma tartana (4) e por um navio de transporte logístico onde se transportaram os mantimentos e materiais necessários a tal empresa. Esta esquadra possuía um poder de fogo de 448 peças de artilharia nas suas naus.
A esquadra era comandada pelo Conde do Rio Grande, Lopo Furtado de Mendonça, Almirante da frota e embarcado na nau ”Nossa Senhora da Conceição”(Capitania). A nau “Nossa Senhora do Pilar”(Almiranta) estava sob o comando do Conde de S. Vicente, Manuel Carlos de Távora e Sargento-Mor de Batalha do Mar, a nau “Nossa Senhora da Assunção”(Fiscal) era comandada pelo Coronel do Regimento da Armada Real e Fiscal da esquadra, Pedro de Sousa Castelo Branco. A nau “Nossa Senhora das Necessidades” estava sob o comando do Capitão de Mar-e-guerra Gillet du Bocage e, por último, a nau “Santa Rosa” que era comandada pelo Capitão de Mar-e-guerra João Baptista Tolhano. Sob os comandos do Capitão de Mar-e-guerra João Pereira de Ávila e pelo Capitão de Mar-e-guerra Bartolomeu Freire estavam respectivamente as fragatas “Rainha dos Anjos” e “S. Lourenço”. Os dois brulotes tinham o nome de “Santo António de Lisboa” e de “Santo António de Pádua”. O navio de apoio logístico e de apoio, transporte de sobressalentes e destinado a servir também como navio-hospital tinha o nome de “São Tomás de Cantuária”.
Esta esquadra fundeou na enseada de Paço de Arcos no dia 25 de Abril de 1717, tendo levantado ferro e saído da barra de Lisboa no dia 28 de Abril seguinte em direcção a Corfú. Assim, fizeram-se ao mar, passando o estreito de Gibraltar passados quatro dias, no dia 2 de Maio. No dia 10 de Maio avistaram Alicante, tendo cruzado as águas mediterrânicas ao largo das ilhas de Ibiza e Formentera, pertencentes ao arquipélago das ilhas Baleares, a 12 do mesmo mês. A 19 de Maio avistaram a Sardenha e a 21 a Sicília. No dia 24 de Maio fundearam em Palermo, Itália. Com o intuito de se reunirem com as armadas dos Estados Pontífícios, de Veneza, de Florença (Toscana) e de Malta. No dia 25 de Maio festejam a bordo o dia de “Corpus Christi”. No dia 28 de Maio levantam ferros de Palermo e passaram por Messina a 30 de Maio, pelas ilhas de Zante e finalmente por Corfu onde de se reuniram com as armadas aliadas cristãs no dia 10 de Junho. Assim, ficou constituída uma força capaz de fazer frente à armada turca. Após a reunião de todos os elementos da nova frota, a bordo da capitânia de Veneza forma-se o conselho, tendo ficado decidido ir no encalço do inimigo que, segundo informações várias, se encontrava perto. Assim, a esquadra levanta ferro, navegando a todo o pano em busca do confronto com o inimigo turco. No dia 4 de Julho de 1717, é avistada a Armada turca perto do cabo de Santo Ângelo.
A armada Papal foi dividida em três esquadras, como era hábito, e ficando constituída pela vanguarda, centro e retaguarda. De acordo com as ordens Papais, o comando supremo de toda a armada ficou a cargo a Pisani, que seguia à parte, a bordo da armada de remo.
Por decisão e nomeação Papal, o comandante em chefe de toda a esquadra aliada onde se inseriam os navios portugueses, era o Tenente-General da armada francesa Jacques-Auguste Maynard, Cavaleiro de Belfontaine, navegando na nau maltesa com o nome de “Santa Catarina” e já com grande experiência naval. Isto causou algum mal-estar aos Portugueses que se recusaram determinantemente ficar sob a alçada do francês Maynard, como também se recusaram veementemente a substituir a Bandeira Real de Portugal pelo pavilhão Papal nos seus navios. Assim foi notificado o Cavaleiro de Bellefontaine de que eles apenas obedeceriam a Pisani. Foi dito aos Portugueses que ficassem na retaguarda.
Durante dias, a esquadra aliada tentou perseguir e alcançar os navios turcos, mas sem sucesso. Passados alguns dias os turcos perderam-se de vista. Por questões logísticas, como a falta de água e de lenha, a força aliada fundeou para reabastecimento na enseada de Passavia. No dia 18 de Julho, chega a notícia de que a frota turca se aproximava. No dia 19 a armada aliada levanta ferro, iça as velas, e avistam os turcos. Pela falta de vento, não conseguiram sair da enseada. A força da frota turca era composta por 54 navios contra um total de 35 naus e fragatas da frota dos cristãos. O pouco vento que havia era altamente favorável aos turcos, os quais se posicionaram criando vasta linha ofensiva, fechando a baía encurralando e obrigando as forças aliadas a permanecerem dentro da enseada. Tudo isto agravado pela falta de vento, o que impossibilitava grande parte das manobras das naus e fragatas aliadas. Assim, fica a frota cristã em grande desvantagem e em situação deveras complicada. A armada aliada assume uma posição na primeira linha de confronto com os turcos, deixando no interior da enseada os navios menores, buscando a protecção destes com as naus e fragatas na primeira frente de batalha. Os navios portugueses, comandados pelo Conde do Rio Grande, posicionaram-se no extremo posterior da linha de combate. Tem inicio assim, uma batalha sangrenta onde o fogo de artilharia se mostra de uma violência brutal e implacável. Passado algum tempo os navios italianos, com excepção da nau “Fortuna Guerreira” retiram-se para o interior da enseada. Assim, ficam em combate os navios portugueses, os navios de Malta e uma nau veneziana. Passado pouco tempo o Tenente-General Belfontaine e as naus de Malta seguem o exemplo dos navios venezianos, retirando-se para o interior da baía e abandonando à sua sorte a esquadra portuguesa e a nau “Fortuna Guerreira”. Desta forma, abandonados ao seu destino, vêem-se obrigados os portugueses a susterem e enfrentarem a ira e os ataques dos turcos, num combate totalmente desequilibrado e desigual, numa situação precária e altamente desvantajosa para os lusitanos. O Conde do Rio Grande, Almirante da armada portuguesa, decide a todo o custo manter-se em combate apesar da situação delicada em que o colocaram. Os turcos lançaram feroz ataque à nau “Nossa Senhora do Pilar”, sendo a mais atacada por dez navios turcos. O Almirante da armada portuguesa, decide colocar-se entre a “Nossa Senhora do Pilar” e o inimigo, tentando salvar a nau portuguesa e desferindo um fogo intenso sobre os turcos. Esta posição foi de tal forma defendida e o fogo português de tal ordem intenso que Ibrahim-Paxá, Almirante da armada turca, faz sinal à sua armada para bater em retirada, deixando a vitória de tão dura e desigual batalha aos portugueses. Por solicitação do Papa Clemente XI e dos Almirantes venezianos, o Conde do Rio Grande resolve manter a esquadra portuguesa mais algum tempo naquelas águas mediterrânicas como protecção das mesmas, permanecendo até ao dia 15 de Agosto de 1717. Nesta data, a esquadra portuguesa retira-se, chegando a Messina no dia 24 de Agosto, sendo recebidos com muito entusiasmo pela população. É solicitada ao Conde do Rio Grande (5) ajuda, o qual prontamente acedeu. A vitoriosa Armada regressa a Portugal, tendo entrado no Tejo e fundeado em Lisboa no dia 6 de Novembro de 1717.
Esta importante Batalha Naval reveste-se de extrema e singular importância pelo facto de ter sido a derradeira tentativa turca de expansão para o Mediterrâneo ocidental, tornando-se num marco indelével na História da Europa, mantendo-a fiel às suas matrizes fundacionais até aos dias de hoje.
Alfredo Côrte-Real
Instituto D. João VI
Notas do Texto:
- Nau – antigo navio de vela de um, dois ou três mastros, que envergava pano redondo no mastro grande e no de proa e às vezes latino no de ré (no caso de 3 mastros). Designavam-se naus de três pontes quando tinham de 100 a 120 bocas-de-fogo, naus de duas pontes e meia, com 60 a 80 bocas-de-fogo e nau de linha quando tinha mais de 80 bocas de fogo.
- Fragatas – antigo navio de guerra, à vela, com três mastros de pano redondo, com duas cobertas e montando 30 a 60 peças de artilharia. Denominada por fragata de força quando tinha mais de 44 peças de artilharia. Fragata ligeira quando com menos de 44 peças de artilharia. De categoria imediatamente inferior à nau.
- Brulote – pequena embarcação carregada de matérias inflamáveis ou explosivas, utilizada antigamente pelas esquadras navais para incendiar e destruir navios inimigos.
- Tartana – embarcação comprida típica do Mediterrânio, a remos e com uma vela latina.
- Lopo Furtado de Mendóça foi Conde do Rio Grande pelo seu casamento com D. Francisca Barreto, filha herdeira do General Francisco Barreto de Menezes, Restaurador de Pernambuco e Senhor do Morgado da Quarteira, Herói das batalhas dos Guararapes contra os invasores holandeses no nordeste do Brasil, a quem El-Rei D. Pedro II em 1668 concedeu a mercê do título de Conde de Rio Grande. Tendo-se extinto a geração deste casal, a representação da Casa dos Condes do Rio Grande passaria para a Casa dos Duques de Loulé, permanecendo nesta Casa até que o Sereníssimo Senhor Dom Alberto (1923-2003), Chefe da Linha Dinástica Constitucional da Casa Real de Portugal, Duque e Marquês de Loulé, 3.º Conde do Rio Grande, etc., houve por bem outorgar este último título a seu filho – o Sereníssimo Senhor Dom Filipe Folque de Bragança e Bourbon de Mendóça, actual 4.º Conde do Rio Grande.
Por motivos vários, como o terramoto de 1755 onde se perderam muitos registos, há elementos em que não há uma certeza absoluta, havendo por vezes até, algumas informações ligeiramente díspares.
O texto não segue o novo acordo ortográfico.